As Raízes Comuns da Maçonaria e do Martinismo, ou melhor, do Martinezismo no século XVIII

Martinismo e Maçonaria – Uma conexão histórica e de berço comum

Símbolo da Maçonaria, compasso e esquadro e a misteriosa letra G.

Este texto, que traduzi do inglês, nos aponta as origens comuns do Martinismo, ou melhor do Martinezismo, no seio da Maçonaria. Na realidade, muito embora Martinez de Pasqually tenha visto na Maçonaria, com seu sistema de altos graus, uma forma perfeita para instalar nela o seu rito, não podemos negar que este rito possui uma natureza muito transcendente e muito além de qualquer sistema secular de transmissão da Iniciação. Na verdade, a Maçonaria estava em franco desenvolvimento no século XVIII e muitas lojas sequer conheciam o terceiro grau, o de Mestre, que veio a ser implantado de forma universal somente depois da segunda metade do século XVIII. Dito de outro modo, a transformação da Maçonaria Operativa para a Especulativa ocorreu de forma paulatina; não de imediato logo após a fundação da Grande Loja de Londres em 1717. Este sistema de altos graus maçônicos continuou a ser implantado até o século seguinte. Esses detalhes históricos são importantes para que compreendamos que a Maçonaria não é uma instituição estática, mas que sofreu as mesmas evoluções a que estão sujeitas todas as sociedades humanas.

Como dissemos acima, a passagem da Maçonaria operativa para a

Selo da Ordem Martinista

especulativa com seu sistema de altos graus não se deu de forma repentina, mas se desenvolveu ao longo de três séculos, sendo que a Maçonaria operativa possuía apenas dois graus e, apesar de conservar um certo espírito de religiosidade, sempre foi uma instituição secular, uma junta de construtores e pedreiros especializados e que teve seu início na época da Renascença, ou seja, no século XVII (1600). Quando nos deparamos com as mais fantásticas teorias sobre as origens da Maçonaria desde o tempo do Antigo Egito, da Grécia, da Roma antiga, dos Cavaleiros Templários, encontraremos todas essas influências na introdução dos altos graus maçônicos com seu conteúdo filosófico e vinculado à Antiga Tradição de todos os povos. A lenda de Osíris, de Hiram Abiff, de Zorobabel e muitos outros mitos é uma exemplificação dos conhecimentos filosóficos que foram trazidos para dentro de nossa Instituição.

Vale observar que a Maçonaria, como instituição secular, teve seus princípios nas glebas de construtores que, através de suas regras de aceitação do maçom (palavra de origem francesa que significa pedreiro, construtor), seus toques de identificação e palavras de passe, com o objetivo de preservar os segredos da arte da construção e da arquitetura somente entre aqueles dignos de compartilhar tal ofício, serviu de modelo perfeito para a constituição de nossa Veneranda Instituição como a vemos nos dias atuais. É por esse motivo que encontramos termos como “ofício”, “trabalhos”, “peças de arquitetura” de uso comum entre nossos Irmãos. Sabemos que historicamente a arte da construção e da arquitetura é tão antiga quanto a civilização humana. No entanto, não podemos atribuir a existência de uma instituição semelhante às glebas de construtores antes do período renascentista. Lembrando que tais associações eram destinadas somente aos construtores e pedreiros; não a filósofos, engenheiros, médicos, enfim, todas as classes de profissões como observamos no seio da Maçonaria atual. É por essa razão que podemos descartar todas as mais mirabolantes teorias sobre sua origem e fincar bem os pés na realidade. Recomendo as leituras sugeridas ao longo deste artigo para que compreenda melhor os aspectos histórico sobre as origens de nossa Veneranda Instituição.

Podemos destacar que os sistemas de altos graus já eram anteriores à Maçonaria, mas ainda não recebiam esta denominação e foram introduzidos nela na fase de transição entre a Maçonaria Operativa e Especulativa. Podemos citar dentre eles os graus templários ou cavaleirescos, os graus rosacruzes, o sistema de Heredom, com seus vinte e cinco graus de perfeição, entre muitos outros. Por esse motivo, podemos vê-los presentes em todos os ritos maçônicos espalhados pelo mundo, sejam eles ditos “regulares” ou “espúrios”. Na realidade, o rito maçônico que sempre serviu de molde para a composição da maioria das ordens é o Rito Escocês Antigo e Aceito com seu sistema de 33 graus e o mais difundido entre todos no mundo. Mesmo assim, muitos de seus altos graus foram criados ao longo de todo o século XVIII e na primeira metade do século XIX.

Por conseguinte, podemos descartar as teorias mirabolantes de que a Maçonaria descende de Adão ou de qualquer outra atribuição divina. Ela nasceu de uma organização secular e assim permanece, uma vez que se tivesse algum atributo divino, como muitos fabricantes de ritos pretenderam, ela não conseguiria reunir em torno de si um tão grande número de irmãos no mundo inteiro, pois para atender aos qualitativos divinos é preciso restaurar o sacerdócio tal como era no Antigo Egito e na época de Moisés com a tribo dos Levitas. Vale lembrar que a condição de Mago ou Sacerdote era exatamente a mesma para as civilizações antigas. E para o exercício de tal ofício é necessário se colocar em condições extraordinárias muito além do homem comum. É neste ponto que nosso estudo do Martinismo e do Martinezismo ganha grande importância.

É fato que o Rito dos Cavaleiros Maçons Elus Cohen do Universo, de Martinez de Pasqually, constituía mais um SISTEMA DE GRAÇAS do que um sistema de graus e que era bem anterior à própria Maçonaria, remontando a uma transmissão ininterrupta desde a época de Moisés, e totalmente vinculado às tradições judaico-cristãs, gregas e egípcias. Foi inserido na Maçonaria por seu criador ou recipiendário, no entanto, sempre permaneceu independente dela justamente por constituir um sistema de restauração da alma humana e de seu contato com os Planos Interiores ou Invisíveis. E este é um domínio mais específico da Magia Cerimonial e do Alto Sacerdócio como os praticados nas antigas civilizações.

Não há segredos intransponíveis, há aqueles segredos que desvendamos a partir de uma abertura interior de nossas capacidades superiores latentes. Dito de outro modo, é em nosso mundo interno que cruzamos o verdadeiro Umbral dos Mistérios”.

S:: I::

Martinez de Pasqually, visionário como era, viu na Maçonaria, com seus altos graus e títulos, um espelho perfeito, um corpo físico no qual poderia insuflar o sopro do espírito no ídolo de barro adormecido (homem comum), imitando desta forma o ato da criação do homem. Os títulos pomposos dos graus maçônicos era para ele um espelho perfeito dos planos espirituais e internos, assim como toda a simbologia maçônica. Na verdade, ele estava correto ao pensar desta forma, porque realmente eles refletem essa condição. E vemos isso em todos os símbolos empregados no ofício maçônico. No entanto, é necessário fazer uso das chaves ativas da Iniciação para além das simbólicas; elemento que não se revela tão simples quando posto em prática, uma vez que requer uma disciplina monástica, digna de um monge tibetano, um yogue ou faquir indiano. A maioria dos homens ocidentais não apresentam essa predisposição e nem tempo para tamanha dedicação. Por conseguinte, muito do que implica a Antiga Tradição Iniciática e a preservação de seus segredos permaneceram no puro plano simbólico, deixando essa tarefa aberta a cada indivíduo disposto a penetrar mais a fundo nos mistérios da Natureza e de si mesmo. Foi este o caso do próprio Martinez de Paqually, Saint-Martin, Papus, Stanislas de Guaita, Charles Barlet, Cagliostro e muitos outros que, a despeito da condição de franco-maçons, souberam e ousaram levantar o véus de Ísis.

Muito embora, tenha tentado incorporar seu sistema de Reintegração da alma humana aos graus maçônicos, teve que conservar os trabalhos de seus membros mais individualizados do que os realizado em rituais coletivos, porque compreendia que um sistema de tamanha natureza não poderia ficar restrito ao plano simbólico, sem correr o risco de cair no charlatanismo ou na feitiçaria. Ou o rito é mantido no plano simbólico ou é trabalhado com todas as práticas e a mais estrita observância de todas as regras que lhe são prescritas. Não há outra forma de atuar com respeito à Teurgia ou Magia Cerimonial.

Selo da Ordem dos Cavaleiros Maçons Elus Cohen do Universo.

Podemos indicar o vínculo da Maçonaria com a Antiga Tradição Iniciática na seguinte prática do Ofício: o ponto mais alto de qualquer ritual maçônico praticado em Loja é sempre a Cadeia de União, proveniente de uma prática muito antiga que é Cadeia Mágica da União, praticada pelos antigos sacerdotes egípcios, gregos e gnósticos. Esta prática foi incorporada à Maçonaria do século XVIII e permanece até os dias de hoje, porém, não encontramos indícios desta prática nas glebas de construtores do século XVII.

Outro ponto muito importante a ser considerado, Martinez de Pasqually via na Maçonaria um centro ideal para a seleção dos seguidores de seu rito, pois a Maçonaria, à época, reunia em seu seio os homens mais eminentes, respeitáveis e preparados para este tipo de trabalho. Pelo menos, era o que ele acreditava. Na própria história do Rito dos Elus Cohen, temos exemplos de que Martinez teve a traição e a calúnia de membros internos, inclusive com denúncias à Santa Inquisição por prática de bruxaria. O fato de ser um homem eminente na sociedade não implica necessariamente no caráter de cada um. Haja vista que havia, na época, uma grande prostituição com o comércio ilegal de cartas patentes, títulos e graus, bastava pagar bem para ser elevado ao grau de Grão Mestre desta ou daquela Loja, deste ou daquele rito. Estas disputas pela legitimidade e propriedade da Iniciação existem até hoje. Mas, deixemos de lado esta questão e retornemos ao seio de nossa discussão.

A MAÇONARIA DISSECADA DE SAMUEL PRITCHARD

Em 1730, justamente durante a fase de transição da Maçonaria Operativa para

A MAÇONARIA DISSECADA DE SAMUEL PRITCHARD

a Especulativa, surge esta obra polêmica feita por um dos membros da Instituição na qual escancara muitos segredos preservados até aquela época e que eram passados de boca a ouvido. O que verificamos na obra foi a revolta de Samuel Pritchard com as transformações em curso na Maçonaria e com o desprezo de muitos dos que promoviam essas mudanças para com os irmãos operativos, tratando-os com desdém e o surgimento de um certo elitismo, além da elevação excessiva das taxas de iniciações e elevações de graus justamente para colocar para fora da Maçonaria aqueles irmãos menos favorecidos tanto financeiramente como intelectualmente. Saiba mais em:

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De acordo, com Saint-Martin, principal discípulo e fundador da doutrina Martinista, seu primeiro Mestre conhecia e fornecia as chaves ativas da Iniciação. Para Jean-Baptiste Willermoz, seu segundo e mais importante discípulo, fundador do Rito Escocês Retificado, percebeu as dificuldades que haveria na implantação de um sistema teúrgico aos moldes de Pasqually, uma vez que este preparava a restauração do sacerdócio levita, o que não se aplicava à maioria dos homens ocidentais e de caráter pragmático, por isso limitou o legado recebido de seu Mestre aos aspectos puramente simbólicos da Maçonaria.

Mesmo hoje é muito difícil arregimentar indivíduos predispostos aos rigorosos rituais, jejuns, orações e treinamento a que todo discípulo Elus Cohen deve se submeter para alcançar o SISTEMA DE GRAÇAS como for a proposto por Pasqually, um dos motivos pelos quais sua Ordem não vingou no plano secular, mas permanece eternamente ativa nos planos interiores. Ninguém pode afirmar com certeza que descende de uma cadeia ininterrupta de transmissão que remonta à época de Pasqually. No entanto, todo e qualquer HOMEM DE DESEJO, realmente imbuído desta missão pode despertar o rito de Pasqually.

Na era moderna, temos a informação de que Robert Ambelain e Robert Amadou, eminentes martinistas, trabalharam sobre as práticas dos Elus Cohen de Pasqually com resultados bastantes positivos. Haja vista que reativaram a Ordem dos Cavaleiros Maçons Elus Cohen no plano material também e ela seguem em plena atividade na França e em alguns países.

Observe com atenção que não existe revelação de nenhum segredo até que o indivíduo esteja determinado a trabalhar sobre si mesmo e lapidar sua Pedra Bruta (corpo físico) para que a Pedra Oculta (Mestre ou Eu Superior), que brilha na Câmara Secreta de seu Coração, disperse todas as trevas ao seu redor”.

S:: I::

Este despertar pode ser aplicado a qualquer sistema teúrgico como o de Abramelin, o Mago; o da Golden Dawn ou de qualquer outro grimório da Idade Média desde que o indivíduo se atenha rigorosamente às regras impostas por cada um dos sistemas. Assim como Pasqually valorizava a prática individual para fazer valer qualquer sistema teúrgico, o mesmo pode ser aplicado a qualquer sistema de Magia Cerimonial, uma vez que ele depende exclusivamente do desempenho individual. Por essa razão, os rituais coletivos não eram tão valorizados por Martinez de Pasqually, restringindo-os praticamente aos rituais sazonais (equinócios e solstícios) e às festas.

É neste ponto que o Filósofo Desconhecido valorizou a obra de seu Mestre e o colocou em sua doutrina. Aliás, tentou promover um casamento entre o pensamento teosófico de Jacob Boheme, a quem considerou seu segundo Mestre e que dizia ser o portador das chaves teóricas da Iniciação; e a doutrina da Reintegração dos Seres de seu primeiro Mestre que afirmava categoricamente de ser o portador das chaves ativas da Iniciação. Saint-Martin foi um dos membros mais ativos e mais empolgados do Rito dos Elus Cohen de Pasqually. E é por aí que estabelecemos o vínculo de origem do Martinismo com a Maçonaria ocultista do século XVIII.

SOBRE AS ORIGENS DA MAÇONARIA DE THOMAS PAINE

SOBRE AS ORIGENS DA MAÇONARIA DE THOMAS PAINE

Os relatos sobre as origens da Maçonaria são os mais mirabolantes e empolgantes possíveis, principalmente a partir de 1800, época em que muitos ritos surgiram como os de Mizraim e Memphis e os altos graus maçônicos foram se delineando ao longo deste século. Não é de se admirar que muitos tentaram explicar as origens da Maçonaria como provindo de uma fonte divina, afinal de contas era uma instituição altamente respeitada na época e fazer parte dela era motivo de orgulho, prestígio social e nobreza. Com cada escritor aprendemos um pouco mais da história de nossa Veneranda Instituição e com Thomas Paine este aprendizado também se torna fundamental para a nossa formação.

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Vemos este movimento místico-maçônico renascer com Papus, Dr. Gérard Encausse, no final do século XIX e início do século XX, com a fundação da Tradicional Ordem Martinista que, por sua organização e ritualística, se assemelha fortemente a um rito de Alta Maçonaria. Quem já participou de seus rituais e iniciações reconhece este forte vínculo entre as duas organizações.

E a leitura do artigo abaixo trará ainda mais luzes para este assunto.

Charles Lucien de Lièvre

Irmãos de Outra Mãe

A conexão histórica entre o Martinismo e a Maçonaria

Rev. Kevin L. Davis, PM, 32º, S:::I:::, Ep.Gn.

Martinismo é o nome dado a um corpo de ensinamentos e sucessão originalmente derivados dos ensinamentos de uma figura do final do século XVIII conhecida como Martinez de Pasqually. Não era conhecido por esse nome, no entanto, até a última parte do século 19, quando o foco parece ter mudado mais para os escritos e cartas de seu secretário e aluno, Louis Claude de St.-Martin, bem como o posterior proponente e desenvolvedor dos ensinamentos que atendia pelo pseudônimo de “Papus”, que desenvolveu o sistema no atual rito de três graus, tão reminiscente da Maçonaria.

É minha intenção explorar as personalidades envolvidas neste movimento, suas filosofias pessoais que o alimentaram e, especialmente, seu aparente desenvolvimento lado a lado com a Maçonaria de uma forma ou de outra ao longo de sua existência. Também é minha intenção demonstrar o valor que o Martinismo pode ter para os maçons atuais e seu valor pessoal para mim.

Gostaria de enfatizar que tão pouco de natureza definida é conhecido sobre os primeiros anos do movimento que há muito pouco que eu possa dizer que alguém em algum lugar não possa contestar. Para cada afirmação existe alguém, em algum lugar, que pode fornecer um contra-ataque a essa afirmação. Portanto, peço que use o que tenho a dizer aqui como um trampolim para sua própria pesquisa, e perdoe quaisquer erros que aqui e ali possam ocorrer devido à pressa na preparação desta apresentação.

O homônimo original da Ordem (Jacques de Livron Joachim de la Tour de las Cases Martinez de Pasqually1) nasceu em Grenoble, França entre 17092 e 17273, dependendo da fonte, de pai espanhol ou português. Embora, de acordo com uma fonte, seja um construtor de carruagens4, parece haver muito pouco conhecimento sobre seu local de origem ou mesmo se ele era ou não judeu, mas parece que seu pai recebeu uma patente maçônica de Charles Stuart, dando-lhe poderes como um “Vice Grão-Mestre” com o poder de estabelecer lojas, e esse poder foi transferido para seu filho após sua morte. Pasqually era, portanto, um Mestre Maçom (de algum tipo!) Pelo menos aos 285 anos.

Parece ter sido o objetivo de Pasqually criar não um rito maçônico como tal, mas uma organização para os companheiros maçons que forneceria uma estrutura mais espiritual do que o ambiente mais aberto e muitas vezes secular da Maçonaria continental que ele teria conhecido. Para o efeito criou várias organizações, mas a que nos interessa neste contexto é a conhecida como “Ordre des Chevaliers Maçons Élus Coëns de l'Univers” ou “Ordem dos Cavaleiros Maçons, Sacerdotes Eleitos do Universo”, fundada em Bordéus por volta de 17666 . Esta Ordem admitia apenas maçons, mas pelo que se sabe praticava um tipo de trabalho muito diferente do que era e é praticado dentro dos limites das lojas maçônicas: ritos de estilo medieval envolvendo anjos e arcanjos, formas de ritual e oração de estilo muito católico, bem como o uso mágico e místico dos salmos. Os graus mais elevados da Ordem ensinavam práticas como a invocação de vários espíritos, como o 'Shem haMephorash da Qabalah, o chamado “Nome dividido” derivado de Êxodo XIV: 19-21, celebração dos equinócios e formas similares altamente ritualísticas e demoradas de trabalho ritual. Central para isso era o conceito de “Reintegração”7 de Pasqually, uma explicação simples sendo a “salvação” do homem pelo trabalho teúrgico; uma relação pessoal com o Mistério que ele chamou simplesmente de “La Chose”. Isso é análogo, talvez, aos argumentos cristãos de hoje sobre “Graça” versus “Obras”, pois se propunha alcançar essa reintegração por intercessão de Cristo.

Pasqually morreu em 1774 em São Domingos, no atual Haiti, onde seus ensinamentos, segundo muitos relatos, ainda exercem influência até hoje. Antes dessa época, porém, ele iniciou dois indivíduos que levaram seu trabalho adiante: Jean-Baptiste Willermoz e Louis-Claude de St.-Martin.

Jean-Baptiste Willermoz nasceu em 10 de julho de 1730 em Lyon, França. Ele foi admitido na Ordem dos Eleitos Cohens já em 1767, mas antes disso havia sido admitido em uma loja maçônica desconhecida em 1750. Mais tarde, ele se afiliou ao Rito da Estrita Observância em 17738 e passou a encontrou várias lojas de vários tipos, como a “Grande Loja dos Mestres Regulares de Lyon” e um capítulo dos “Cavaleiros da Águia Negra e Rosa-Cruz”.9

No ano seguinte à sua admissão no Rito da Estrita Observância, ele foi nomeado chanceler da província de Auvergne para o Rito e fundou seu capítulo de Lyon, chamado “La Bienfaisance”.10 Por volta dessa época, ele começou a trabalhar em uma maneira de combinar os ensinamentos de Pasqually com os da Maçonaria, e a Estrita Observância parece ter influenciado bastante essa fusão: foi fundada por um Barão Karl Gotthelf von Hund em 1749, reivindicando uma linhagem direta que remonta aos Cavaleiros Templários, e foi originalmente denominada “maçonaria retificada”. Sua autoridade foi baseada em uma iniciação que recebeu em Paris em 1742 de um “Superior Incógnito” que ele acreditava ser Charles Stuart, ligando assim novamente ao pai de Martinez de Pasqually e sua herança maçônica mútua.11 Todos esses aspectos seriam desembocados na corrente Martinista de Willermoz e St.-Martin.

O Regime Escocês Retificado (Rito Escocês Retificado), mais comumente conhecido como Cavaleiros Benfeitores da Cidade Santa (C.B.C.S.) muito de sua inspiração.12 Willermoz lutou para preservar o máximo possível dos ensinamentos e materiais dos Elus Cohens, pois ele pôde ver pela dissensão após a morte de Pasqually que a Ordem provavelmente estava condenada, como tantas vezes acontece em situações semelhantes.13 Isso foi supostamente preservado nos graus internos ou mais altos do C.B.C.S., o que provavelmente é responsável pela afirmação moderna de que os Elus Cohens estão “por trás” do C.B.C.S.14

Louis Claude de St.-Martin veio de uma família religiosa de pequena nobreza francesa (às vezes era chamado de “marquês”). Nascido em 1743, juntou-se aos Eleitos Cohens por volta de setembro de 1768 e logo se tornou secretário pessoal de Martinez de Pasqually, servindo como tal de 1768 a 1771. Foi nessa qualidade que ele entrou em contato com Willermoz, que na época era chefe do corpo dos Eleitos Cohens em Lyon naquela época, e os dois pareciam ter se dado bem. St.-Martin parece ter tido problemas com a magia cerimonial dos Cohens Eleitos, entre outras coisas, e supostamente uma vez perguntou a seu professor “Mas diga-me, Mestre, todos esses acessórios são necessários para rezar a Deus?”, ao que Pasqually respondeu: “Devemos nos contentar com o que possuímos.”15 As visões de St.-Martin eram muito mais uma obra interna do que o caminho de Pasqually, e ele se referia a ele como a “via cardíaca”, ou caminho do coração. Em sua opinião, Cristo era a Palavra escrita no evangelho de São João, e esta Palavra estava com o homem no princípio, mas havia se perdido. Somente através da recuperação desta Palavra perdida poderia o Homem ser inteiro e “Reintegrado”.16 Seus escritos foram publicados sob o pseudônimo de “O Filósofo Desconhecido”, sob o qual é reverenciado até hoje dentro do Martinismo.

Assim como St.-Martin passou a ter desgosto pelo trabalho altamente ritualizado da Ordem dos Eleitos Cohens de Pasqually, ele acabou tendo um sentimento semelhante sobre a Maçonaria. Em julho de 1790, ele pediu que seu nome fosse removido de todos os registros maçônicos, finalmente deixando a pompa e cerimônia dos Eleitos Cohens, C.B.C.S. e Maçonaria para o contemplativo “caminho do coração” que estava mais próximo de sua natureza.19 Ele morreu em 1803.

A Revolução Francesa parece ter interrompido temporariamente o funcionamento de St.-Martin e Willermoz. Embora St.-Martin supostamente tivesse alunos que continuaram seu trabalho, pouco ou nada se sabe sobre eles, embora se acredite que ele transmitiu autoridade de uma maneira quase “apostólica”: ou seja, pela imposição de mãos, ele transmitiu “A Iniciação” como era chamado o que ele sentiu ter recebido de Pasqually.20

Foi somente em 1891 que Gérard Encausse (1865-1916)21, que escreveu sob o pseudônimo de “Papus”22, afirmou ter “refundado” a Ordem com base em uma sucessão da “Iniciação” de Augustin Chaboseau e Henri Delaage supostamente voltando para o próprio St.-Martin. De fato, parece haver alguma evidência de que um M. de Chaptal, o avô de Henri Delaage, era pelo menos um conhecido de St.-Martin.23 A Iniciação não era uma iniciação no sentido cerimonial usual, mas, nas palavras de Chaboseau, era “uma transmissão oral de um ensinamento particular e uma certa compreensão das leis do Universo e da vida Espiritual, que, em nenhum caso, poderia ser considerada uma Iniciação de forma ritualística”.24

Originalmente chamado de “Ordem dos Superiores Incógnitos", mais tarde tornou-se conhecido como “Ordem Martinista", ou a Ordem Martinista. É neste ponto que a Maçonaria e o Martinismo se encontram de maneira muito mais ampla, pois a “Iniciação” (cujos titulares a essa altura passaram a ser chamados de “Superiores Incógnitos” ou “Superiores Desconhecidos”) passou a ser o último de uma série de três graus altamente reminiscentes dos Graus da Maçonaria. Geralmente referido como Associado, Iniciado e S:::I:::25, embora existam variações destes dentro de diferentes variantes da Ordem.

Encausse envolveu seu sistema recém-organizado de Martinismo com muitos outros movimentos que eram proeminentes na época. A Igreja Gnóstica de Jules Doinel tornou-se muito importante para a Ordem e era sua Igreja “oficial” em tudo, menos no nome. De fato, o Martinismo há muito tem sido associado à tradição dos “episcopi vagantes” ou “bispos errantes”, e Encausse foi certamente nomeado bispo por Doinel ou um de seus subordinados, e isso foi transmitido a indivíduos como Theodor Reuß e talvez até Aleister Crowley! Ele também atraiu membros para a Irmandade Hermética de Luxor entre seus irmãos Martinistas, e parece ter “trocado iniciações” com mais do que alguns luminares ocultistas e maçônicos da época, incluindo Theodor Reuß, que hoje é conhecido principalmente por seu trabalho com John Yarker e a Ordo Templi Orientis. Parece provável que Encausse também tenha se tornado o Chefe Nacional desta última Ordem para a França, e isso pode ter levado ao desenvolvimento, no Haiti, da Ordo Templi Orientis Antiqua.

O sistema de três graus do Martinismo moderno é mais impressionante em sua semelhança com a Maçonaria moderna em empréstimos como o dos Dois Pilares do Templo de Salomão, que, embora seja paralelo em muitos aspectos ao tipo de interpretação dada nos graus modernos da Arte, de fato leva a uma compreensão mais profunda da natureza da polaridade como ocorre tanto na natureza quanto na mente do homem e, por meio de sua reconciliação, até mesmo incorpora elementos de marca dos graus que foi, de acordo com alguns, parte de nosso moderno grau de Companheiro. Através da ênfase cabalística dos Pilares, conforme ensinado na Ordem Martinista, a pessoa está melhor equipada para obter uma apreciação mais profunda de seu significado dentro da Arte, e ao estudar a Árvore da Vida Cabalística, a pessoa é mais capaz de ver o Verdadeiro Significado da Pedra que os Construtores rejeitaram, e como ele une os Pilares opostos e simultaneamente os unifica e transcende.

Minha conclusão é simplesmente a seguinte: o Martinismo é, em muitos aspectos, uma visão esotérica e mais mística do próprio modelo maçônico que coexistiu por tanto tempo e tão discretamente com a Maçonaria que ninguém parece ter levado a sério, se é que alguma vez, levou-se a sério uma forma de Maçonaria clandestina. Ele o complementa de tantas maneiras, embora reconheça sua dívida e sua quase dependência, que sinto que qualquer irmão maçom não poderia deixar de se beneficiar de, pelo menos, um estudo básico sobre o fenômeno. As próprias origens do movimento foram uma tentativa de um maçom de criar um sistema mais espiritual para seus companheiros maçons mergulharem em um relacionamento mais pessoal e direto com “Deus”, embora isso tenha sido filtrado inicialmente pelo imaginário católico com o qual o fundador havia obviamente foi imerso.

Mesmo mais tarde, isso mudou na direção oposta com Saint-Martin, que evitou todo e qualquer ritual, até mesmo renunciando à própria Maçonaria no final por essa mesma razão. Esta dicotomia espelha de muitas maneiras tanto a postura de aceitação geral da Maçonaria Ofício em comparação com os corpos anexos exclusivos “somente cristãos” quanto a postura da Maçonaria regular moderna em comparação com a aceitação de ateus em algumas jurisdições europeias.

Espero que esta pequena palestra tenha sido informativa e, pelo menos, estimulado o interesse no fenômeno da tradição Martinista. Muito pode agora ser encontrado online, e o estudante assíduo será capaz de distinguir facilmente o joio do trigo. À Glória do Grande Arquiteto do Universo!

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